sábado, 11 de agosto de 2012

Até onde vai a fé?

Enquanto eu esvaziava mais um cesto de roupa, a Maria via o seu canal favorito e nisto tocam à campaínha. Pergunta ela muito depressa:
- Quem é?
E eu digo:
- Não sei filha. Vamos ver.
Lá peguei nela ao colo, assim foi mais rápido, pois era necessário abrir a cancela de segurança e descer alguns degraus. Ao aproximar-me do intercomunicador observo uma senhora com idade compreendida entre os 60 e 70 anos que me diz:
- Bom dia minha senhora. Tudo bem consigo? O senhor R está?
O senhor R é meu marido, para quem não sabe. E eu digo:
- Não, ele não está (era verdade. Tinha ido trabalhar.)
- Sabe, eu passei por cá há dias e falei com ele. Ele autorizou que eu deixasse um livrinho na caixa de correio e disse que podia passar por cá outro dia. Então eu passei hoje, para falar com ele, mas se ele não está... posso falar consigo?
- Peço desculpa, mas não dá. Estou ocupada (e estava mesmo. Estava decidida a esvaziar totalmente os cestos da roupa até ao final da manhã).
- Sabe senhora, o assunto que tenho para falar com o senhor R é um assunto bíblico (não fosse eu ser uma esposa desconfiada e o sábado estaria comprometido para o senhor R), sabe? 
Um "sabe" meio retórico, mas eu adiantei-me:
- Sim sim, claro. Mas como lhe disse ele de momento não está e eu também estou ocupada, de maneira que será melhor passar outro dia (para falar com o senhor R).
- Com certeza. Tenha um bom dia.
- A senhora também, obrigada.
Sou católica, (muito) pouco praticante e respeito as restantes religiões. Mas devo dizer que me aborrece imenso este tipo de evangelização. O porta a porta. A constante intromissão e abordagem de que sou alvo na rua (quase) diariamente. É que para estes lados o que não falta além de cabeleireiros, ourivesarias e snack bares é mesmo "igrejas" a que eles chamam carinhosamente de salas de culto. Nos últimos anos verificou-se um aumento inimaginável de "seitas" aqui no concelho que por acaso é pequeno, bem pequenino. Eu até aceito que digam que conseguem ser mais fiéis nas suas religiões do que nós na nossa; conseguem ser mais cumpridores e evangelizar melhor que nós, mas depois chateiam e ficam desagradados quando ouvem "desculpe, mas não estou interessado".
Isto vindo no seguimento dum episódio ao qual assisti esta semana quando passeava a Maria só reforça ainda mais a minha incompreensão. 
Passeava a Maria num jardim aqui próximo e reparei numa senhora, também ela de idade, sentadinha num banco a descansar. Provavelmente a fazer horas para apanhar um autocarro, digo eu. E em cima dela ao seu lado estava outra senhora, do género da que hoje me tocou à campaínha a dizer-lhe (muito) alto:
- Deus diz isto! Deus promete! E Deus promete isto! Apontando para um livrinho (devia ser o mesmo que o senhor R teve de presente há dias).
Ao lado da senhora dos assuntos bíblicos estava outra cúmplice desta, mais nova, com uma pasta estilo vintage e que olhava de vez em quando em jeito de concordância.
A pobre senhora que (muito) provavelmente estaria a aguardar a chegada do autocarro expressava medo, incompreensão e vontade de dizer "está bem, mas agora já chega, por favor." Mas via-se que tinha medo. Sabe-se lá porquê. Ou então, coitada, não conseguia ser desagradável e dizer que estava (muito) ocupada. Ao menos se eu soubesse o número de telemóvel dela ter-lhe-ia ligado e dizia:
- Venha, hoje não precisa de ir de autocarro, eu dou-lhe boleia.
Mas a culpa é do senhor R que aparentemente tem uma fé que sabe-se lá até onde pode chegar... ele que não se confessou quando casou e não faz o sinal da cruz desde o dia 6 de Dezembro de 2008.
Quando desliguei o intercomunicador diz a Maria:
- Mamã era uma "nhôla" (senhora).
- Era filha, para falar com o papá. Mas ele não está.
- Pois, uma "nhôla" falar papá, papá não está, papá tabalhale!

E o senhor R quando chegar vai-se rir, já sei. Mas eu não achei grande piada. Para a próxima ou diz realmente à senhora que "não está interessado" ou eu numa próxima dou-lhe o seu número de telemóvel. Ai dou dou!

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